Artigo

Servidor público e o protagonismo no planejamento da cidade

Por
Marla Kaline da Rocha Delfino, servidora do Semae e diretora do SSPM


Antes de qualquer visão macro sobre a cidade, é preciso descer, olhar e observar o cotidiano, a rotina dos bairros, o funcionamento de cada equipamento público em seu contexto real. Antes de olhar a cidade como território de promessas, é preciso olhá-la como território de vidas. Do equipamento ao bairro, do bairro à região, da região à cidade, precisamos que o planejamento urbano se conecte com o seu propósito, e isso requer uma medida simples: ajustar a escala de observação, ou seja, olhar a cidade do ponto de vista de quem a utiliza; das pessoas e suas necessidades. Nesse sentido, ao observarmos com atenção o cotidiano de uma cidade em pleno trabalho, encontramos uma matéria prima bruta e pouco valorizada participando ativamente dos desdobramentos e enfrentamentos provocados pela expansão desenfreada no que diz respeito ao âmbito socioeconômico: o servidor público; pois são as mãos dele que garantem o funcionamento dos equipamentos e serviços. São eles que garantem que o direito à cidade seja, de fato, exercido. Para refletir sobre essa temática, é preciso lembrar que o direito à cidade é uma consolidação da ONU, por meio de sua Agenda 2030 e de seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Mas não apenas isso, pois, antes de atender a esses objetivos, estamos fazendo jus à nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 182, que, dada a sua importância, teve sua relevância reforçada em 2001 pela criação do Estatuto da Cidade: cabe ao poder público municipal garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar de seus habitantes. Isto posto, a reflexão que se propõe é: o servidor público municipal é a linha de frente do acesso à cidade. E São José do Rio Preto, com suas áreas de maior densidade populacional e carências urbanas, nos oferece diversos pontos para análise. A construção da malha urbana está diretamente ligada à vivência cotidiana nas cidades, e vivenciar uma cidade é, inevitavelmente, acessar serviços essenciais: unidades de saúde, creches, escolas, CRAS, unidades administrativas, entre outros. O servidor público é quem garante que esses equipamentos existam de fato; não apenas como prédios, mas como serviços em funcionamento. É simbólico e real o peso que carrega o servidor alocado em um equipamento na periferia da cidade, muitas vezes com estrutura precária, poucos recursos e grande demanda. É ele quem acolhe, resolve, media. É ele quem, muitas vezes, compensa a ausência de estrutura com esforço pessoal. Proponho, neste momento, uma imersão: imagine o impacto de um morador que precisa de dois ônibus para acessar um serviço público. Ele perde horas do dia, gasta dinheiro que não tem e, muitas vezes, deixa de trabalhar para conseguir resolver uma única questão. Quem o atende, nesse momento, é o servidor; é sobre ele que recai o peso de “fazer valer a pena” todo o esforço desse morador. A desigualdade urbana se materializa nesse momento, nessa relação. Urbanismo e serviço público possuem um elo fundamental, mas invisível. Leis, projetos, planos diretores e orçamentos públicos são importantes, mas, sozinhos, não operam mudanças. Voltemos ao começo e retomemos aqui uma pergunta: qual é o propósito dessa cidade e quais os resultados que esperamos? Se a meta é construir uma cidade mais inclusiva, obter justiça e oportunidades para todos, precisamos de ações que partam do micro: práticas de escuta técnica da ponta, ouvir e lapidar as experiências de nossas matérias-primas; o servidor. Realizar análise territorial para, depois, implantar, melhorar ou ampliar equipamentos; estudar a demanda real por região, compatibilizando e avaliando o acesso físico; criar planos que integrem expectativas, vivência, transporte, custo e tempo para acesso aos serviços públicos. Esse olhar atento e a escuta das equipes que já estão nos territórios evitam decisões centralizadas e generalistas, direcionam melhor os recursos e políticas e abrem caminho para reduzir desigualdades urbanas. O direito à cidade só se concretiza com a presença do Estado nos territórios; e essa presença acontece pelas mãos dos servidores públicos. Valorizar o servidor público também é um ato de planejamento de um município. É reconhecer essa parte essencial da engrenagem que mantém a cidade funcional; é entender que cuidar da cidade é, prioritariamente, cuidar das condições de trabalho e reconhecer quem a faz funcionar todos os dias.





 

28 de outubro de 2025